cAmyy: “Foco é o principal, e você não pode largar isso se quiser chegar nos seus objetivos”
Continuando com a nossa série de entrevistas, desta vez tivemos o prazer de bater um papo com Camila “cAmyy” Natale, jogadora profissional da Vivo Keyd, o melhor time de CS:GO feminino do Brasil e atual número 1 do nosso ranking. A atleta, junto de outras 3 companheiras de time, foi indicada a Melhor Jogadora do Ano pela Gamers Club, principal liga de campeonatos nacional.
Olá cAmyy! Muita gente não conhece o cenário feminino de CS:GO, portanto nos diga quem é a cAmyy dentro e fora do jogo.
Olá, meu nome é Camila Natale, tenho 26 anos, formada em administração de empresas, porém minha ocupação hoje é jogadora de CS:GO pela Vivo Keyd, time composto apenas por meninas.
Dentro do jogo eu sou uma pessoa muito focada. Lutei muito pra conseguir o que tenho hoje, muita gente não confiava em mim com relação a minha melhora dentro do jogo, e como eu vi que era o que eu realmente queria pra mim, me esforcei, estudei e consegui ter um certo reconhecimento. Sei disso porque vejo quantas pessoas torcem por mim e me acompanham e isso me realiza muito e me faz continuar melhorando cada vez mais. Já fui muito estressada no jogo e com o tempo a gente aprende a ver as coisas com mais profissionalismo e entende que ficar nervoso só prejudica seu desempenho.
Fora do jogo não muda muito o meu jeito, tento ser o mais transparente possível sendo a cAmyy player e a Camila, mas devido ao CS:GO me tornei uma pessoa bem mais caseira. Amadureci em certos aspectos relacionados à convivência, aprendi a lidar com diferentes tipos de pessoas. Até por causa do jogo, você acaba conhecendo e convivendo com pessoas completamente diferentes e isso te ajuda a lidar com aquelas que não fazem parte desse mundo de games.
O que acha do trabalho jornalístico dos portais brasileiros? Acha que o cenário feminino recebe a atenção merecida?
Os portais brasileiros dão sim um suporte bem grande com as notícias do cenário feminino de CS:GO no Brasil, nisso não tenho do que reclamar. A cada campeonato grande ou a cada título nosso ou de outros times, sempre tem os portais, sejam grandes ou pequenos, que postam sobre e fazem até resumo de como foram os jogos, o que nos ajuda na divulgação pós campeonato, e a gente se sente incluída no mesmo cenário dos meninos de times maiores.
Recentemente montamos um ranking nacional, algo que era muito pedido pela comunidade. O que mais você acha que falta para termos um cenário nacional vibrante?
Creio que o cenário nacional está em uma crescente muito boa. O CS é um jogo antigo, com muitos amantes em toda parte do Brasil, porém a maioria acha que provavelmente o jogo já não existe mais. Agora os meios de comunicação estão colocando os games em um pedestal, em quase todos os canais de TV aberta você encontra coisas sobre os jogos, matérias, e isso vai ajudar com o tempo a ter mais gente interessada em jogar e torcer pelos times.
As streams tem dado bastante evidência às jogadoras profissionais, principalmente no CS:GO onde o público é predominantemente masculino. Como você vê a importância do Twitch ou YouTube na vida dos atletas?
Demorei a entender a importância de fazer live stream e vídeos. Sinceramente, eu mesma não queria fazer isso, queria apenas sentar e jogar…mas fui entendendo que isso é essencial para o público te conhecer, te acompanhar, e consequentemente você acaba conseguindo números ao ponto de parceiros te procurarem para patrocínio, e isso já é uma fonte de renda a mais para um profissional.
Falando um pouco da cena competitiva, a sua lineup iniciou uma dinastia no cenário brasileiro, primeiro como Team Innova e depois como Vivo Keyd. Ficou bem claro que vocês estão bem acima de suas adversárias brasileiras. Se pensarmos a nível mundial, onde estaria a Vivo Keyd agora? Quem seriam suas principais rivais?
Nós estamos lutando para conseguir passar em qualificatórios brasileiros para campeonatos internacionais, e já estamos conseguindo! Logo no começo de fevereiro temos o qualify da WESG, que dá vaga pro mundial na China em março, e vai ser lá que saberemos nosso nível atual de time e saber se a jogabilidade que temos aqui vai fazer efeito lá fora também.
As principais rivais que temos hoje, creio que seja a Team Dinasty (ex-Team Secret), CLG Red e Dignitas.
Apesar de tudo, o cenário feminino brasileiro evoluiu em 2017, mas ainda falta muito para termos grandes competições por aqui. Vocês tem vontade de atuar fora do país? Acha que isso pode ser uma realidade para um time feminino?
Temos o sonho de viver do jogo, salários bons para conseguirmos se manter. Se conseguirmos isso no Brasil, ótimo, porém acho que essa ideia está bem distante. Então sim, vontade de atuar fora do país é enorme e um sonho! Creio que possa sim ser uma realidade, mas as organizações tem que confiar no time e ter uma visão diferente para podermos ter a chance, até porque se isso acontecer, nosso objetivo é participar de todos os campeonatos, seja masculino ou feminino, não importa se nosso time é todo formado por meninas, queremos participar de todos os campeonatos independentemente de sexo, ou seja, creio que ainda está bem distante, até porque pra times masculinos já é difícil, mas estamos trabalhando pra sermos vistas com outros olhos e conseguir essa outra visão de grandes organizações.
Muitas vezes vemos os times femininos reclamarem sobre a questão dos treinos, que há poucos times para jogar contra e que os times masculinos se negam a jogar ou jogam de maneira displicente contra um elenco de mulheres. Vocês também passam por isso?
Sim, mas felizmente não são todos. Até tentamos entender o lado dos times maiores, talvez não traga tanto efeito pra eles jogarem com times mais fracos, porém se conseguirmos jogar e treinar bastante contra eles, em pouco tempo teremos o mesmo nível, mas isso é um carrossel, uma coisa leva a outra. Sem o treino com eles a gente vai chegar lá sim, porem só vai demorar um pouco mais.
Tem o tal do preconceito…se tem mulheres no times, consequentemente já pensam que o time é fraco, mas acho que uma hora nos vamos provar o contrário e vai ser diferente.
Você foi indicada a melhor jogadora do ano pela Gamers Club. Na verdade, a VivoKeyd dominou a indicação, com 4 das 5 jogadores do time. Como você reagiu a indicação e quem mais você acha que merecia estar lá também?
Fiquei muito feliz de ser indicada, e mais feliz ainda por ver meu time quase completo com essa indicação. Sei que se tivesse mais uma vaga, seriamos nós todas lá! A gente consegue enxergar o reconhecimento do nosso trabalho e esforço e isso que nos motiva. Ainda mais ver a minha capitã indicada, meu coach e uma player como ascensão…é lindo de ver o efeito que nosso trabalho está mostrando! Se fosse pra acrescentar mais uma pessoa, seria minha 5ª jogadora, a pan.
Quais foram as maiores dificuldades que você enfrentou ao escolher o CS:GO como uma profissão? Acha que ele pode ser uma carreira de longo prazo?
Bom, as dificuldades começaram dentro de casa, com minha mãe e irmão, que cobravam para eu trabalhar e diziam que eu estava ficando “doente” de estar tanto tempo na frente de um computador. Ainda bem que com o tempo foi dando frutos e foram entendendo e apoiando. Já meu pai me apoiou sempre, fiz minha faculdade e trabalhei muito tempo jogando também, até que decidi focar apenas no jogo e terminar meu curso, e sem a ajuda dele, de acreditar no que eu realmente gosto e me ajudar financeiramente, eu não teria conseguido. Também acabei me distanciando de amigos, pois você acaba tendo que dedicar muito tempo aos jogos e aos finais de semana também, mas é algo que você tem que saber viver com isso e equilibrar tudo.
Como é uma “carreira” nova, não sei ainda se é a longo ou curto prazo. Pretendo descobrir, hahaha! Mas espero que ainda falte muito tempo para isso.
Para quem tem a vontade de se tornar profissional, você tem alguma dica ou conselho que possa ajudar a transformar esse sonho uma realidade?
Primeiro você tem que gostar do que faz. É algo que você acaba ficando boa parte do seu tempo, do seu dia, da semana, do mês dentro de um jogo, no seu quarto, em um computador, convivendo com pessoas diferentes de você, e se você conseguir passar por isso sem grandes problemas, está pronto pra levar a sério. Entender que não é fácil e nem simples. Foco é o principal, e você não pode largar isso se quiser chegar nos seus objetivos.
Tem que entender que o cenário de CS:GO está crescendo ainda, talvez um dia cheguemos num patamar como o masculino lá de fora, porém temos que ter paciência e ajudar no que for possível pra isso acontecer. Só depende de nós mesmos.
Parabéns ..e que o cenário feminino cresça ainda mais!!!
Estou na torcida!!! o/