Review: Hell Clock é o ARPG brasileiro que mergulha em uma das feridas mais profundas do país

Hell Clock enche de orgulho o mercado nacional de games.
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Imagem: Reprodução/Hell Clock

Hell Clock, RPG de ação brasileiro com elementos de roguelike desenvolvido pela Rogue Snail, já está disponível na plataforma Steam. O jogo, que combina combates intensos e uma jogabilidade que remete às franquias Diablo e Hades, também oferece um mergulho histórico em uma das passagens mais macabras da história do Brasil: a Guerra de Canudos.

Hell Clock
Imagem: Captura de tela/Rebeca Pinho

Um passeio rápido pela história antes de prosseguirmos

A Guerra de Canudos, tema central de Hell Clock, foi um dos conflitos mais brutais e marcantes da história do Brasil. No final do século XIX, logo após a Proclamação da República, o país vivia um período de instabilidade política, social e econômica, especialmente nas regiões mais pobres e esquecidas pelo novo regime.

Nesse contexto surgiu o povoado de Canudos, liderado por Antônio Conselheiro e formado por milhares de sertanejos, ex-escravizados e pessoas marginalizadas em busca de dignidade e uma vida mais justa. A comunidade cresceu rapidamente, adotando um modo de vida coletivo e autônomo, o que passou a ser visto como uma ameaça pelo governo republicano e a igreja.

A resposta do Estado foi violenta. Quatro expedições militares foram enviadas ao sertão da Bahia. A última, em 1897, resultou na destruição completa do povoado e no massacre quase total de sua população.

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Crédito da Imagem: Commons

Um Diablo do Nordeste

Hell Clock traz uma infernalização notável para a história real e macabra de Canudos, o que, logo de cara, se mostra um grande acerto. No jogo, assumimos o papel de Pajéu, a reencarnação de um dos guerreiros mortos pelas mãos do Estado, que busca, além de vingança, o repouso eterno para as almas das demais vítimas desse grande massacre.

Algo que me chama a atenção aqui é como o jogo, mesmo tratando de um tema tão pesado e real, consegue transmitir uma certa leveza. A abordagem sombria usada para contar a história de Canudos é equilibrada por elementos que suavizam o impacto, como a belíssima direção de arte, a trilha sonora envolvente e, claro, o sotaque dos personagens que traz um inesperado conforto em meio ao caos. É como um café passado no campo servido durante um velório. Você está numa situação dolorosa, mas por um breve momento aquele aroma familiar oferece alívio, ainda que passageiro.

Hell Clock
Imagem: Captura de tela/Rebeca Pinho

O jogo é um RPG de ação que mistura elementos de roguelike e tenta tornar a experiência mais leve e acessível, embora isso nem sempre funcione. Ainda que não haja a necessidade de um farming massivo para evoluir o poder do personagem, a mecânica punitiva típica do roguelike, em que ao morrer o jogador volta do início, continua sendo uma pedra no sapato para quem não está habituado ou costuma evitar o gênero, como é o meu caso. Mesmo que ficar forte não seja algo difícil, ter que recomeçar a cada morte, muitas vezes por um pequeno descuido, pode gerar uma frustração precoce com a experiência.

Como em todo ARPG, existe uma árvore de habilidades e também um sistema de bênçãos bem simples de entender, e em poucos minutos o jogador já estará familiarizado com tudo. Além disso, é possível adquirir equipamentos e coletar vantagens durante as runs, ao custo de ouro conquistado ao derrotar inimigos e abrir baús.

Hell Clock
Imagem: Captura de tela/Rebeca Pinho

Particularmente, o que mais me prendeu ao jogo foi a narrativa. Apesar de o gunplay proporcionar prazer, Hell Clock não conseguiu me fazer superar minha resistência ao gênero roguelike. Repetir andares e enfrentar os mesmos inimigos e chefes várias vezes gerou um certo tédio, que só cedi à minha sede de conhecimento e à curiosidade de descobrir como o jogo reescrevia a história de Canudos e o que o desfecho da trama reservava.

Uma volta ao contrário

Hell Clock (Relógio do Inferno) apresenta um sistema de tempo que pressiona o jogador a concluir as runs dentro de um limite, e há até habilidades específicas para lidar com essa corrida contra o relógio. Mas o detalhe curioso é que essa mecânica é opcional. Sim, uma das mecânicas centrais do jogo pode ser simplesmente ignorada pelo jogador. Tudo bem, isso torna a experiência mais acessível, mas quando a mecânica base — o relógio — de um jogo chamado Hell Clock não é sólida o suficiente para se sustentar como algo essencial, é inevitável questionar sua real importância.

Hell Clock vale a pena?

Ainda que haja um problema sério na construção de sua mecânica central, Hell Clock se apoia em boas referências e lança luz sobre um dos períodos históricos mais perturbadores do Brasil, fazendo isso com um apelo cultural que realmente faz nossos olhos brilharem. O jogo é divertido e acessível até certo ponto. Não é exatamente a melhor porta de entrada para o gênero roguelike, mas, considerando o conjunto da obra, é possível afirmar que a Rogue Snail entrega um dos melhores jogos nacionais já feitos.

Nota do The Clutch: 8

PrósContras
Um dos melhores jogos brasileiros já feitos O próprio jogo acaba questionando a relevância de sua mecânica central
Uma história real e dolorosa não apenas contada, mas, de certa forma, reescritaApesar da proposta de acessibilidade, pode ser punitivo demais para quem não está familiarizado com o gênero roguelike
Gunplay prazeroso
Direção de arte digna de elogios

Para a elaboração deste review, nossa jornalista recebeu uma cópia de Hell Clock fornecida pela Rogue Snail.

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