Em clima de Major, lembramos de muitas jogadas e momentos épicos protagonizados por lendas do Counter-Strike. Quem não se recorda do 4k do Coldzera na Mirage? Ou das 4 AWPs da Fnatic na Dust2? Momentos como esses não só marcam quem assiste, mas também marcam a história do jogo.
Outro momento marcante dos Majors foi o famoso boost da Fnatic na Overpass. Quem se lembra do que aconteceu naquela partida contra a LDLC na Dreamhack Winter 2014?
Aos que não se recordam, vamos recapitular:
Em meados do evento, dois times dominavam o cenário mundial de CS: Fnatic e LDLC. As equipes eram consideradas as duas melhores do mundo, bem acima das outras. O Major seria uma espécie de decisão para, finalmente, coroarem os melhores do mundo.
O Major iniciou. Os franceses, liderados por Happy, fizeram valer o favoritismo e se classificaram em primeiro no grupo. Os suecos não foram tão bem assim e ficaram com a segunda colocação em sua chave, perdendo para HellRaisers, do então jovem prodígio S1mple.
Por ironia do destino e infelicidade para o evento, torcedores e história do Counter-Strike, os dois melhores times da época se chocaram nas quartas de final e teriam que se enfrentar. Um dos dois iria para casa mais cedo, o que deixaria o “caminho livre” para o outro conquistar o mundo do CS.
Se analisarmos o retrospecto recente da época, os LDLC eram “fregueses” dos suecos em confrontos diretos. Eles tinham se enfrentado duas vezes no segundo semestre de 2014 em partidas de playoffs, sendo que a Fnatic levou vantagem em ambas. O elenco francês era muito conhecido por dominar a todos, menos quando se tratava de seu maior adversário. Muitos consideravam que os franceses tinham medo de enfrentá-los e acabavam sempre sucumbindo aos “inimigos”.
Chegou o dia. LDLC vs. Fnatic. Quartas de final da Dreamhack Winter 2014
Os IGLs e técnicos vetam os mapas. LDLC escolhe seu melhor mapa, Dust2. Fnatic escolhe seu melhor ou segundo melhor mapa, Cache. A decisão seria em Overpass.
Como esperado, os times vencem seus mapas de escolha de forma convincente, com 16-10 para LDLC na Dust2 e 16-8 para Fnatic na Cache. Chegou a hora da Overpass.
Ainda falando sobre retrospecto, LDLC também tinha outras coisas contra, como a inconsistência em seu lado CT (lado mais forte da Overpass) e a falta de organização do lado TR, que muitas vezes os faziam ganhar apenas 4 ou 5 rounds de 15 disputados do lado terrorista. Fora o próprio retrospecto do mapa em si, que também não era favorável aos franceses e o histórico (já comentado) contra os suecos.
Também por ironia do destino, os “deuses do Counter-Strike” colocaram a LDLC para começar do lado CT, foi quando iniciou a partida mais memorável e icônica da história do CS.
Já no primeiro round, os franceses utilizaram seu próprio boost. Um jogador ficava em cima do caminhão na base CT e outro subiria no jogador, para ter a visão do canal, parte TR do sapão.
Na teoria, era um pezinho que visava garantir informações de hits no bomb B, mas também poderia conseguir kills (coisa que não aconteceu naquela partida). A tática foi utilizada em alguns rounds do lado CT da LDLC, mas não gerou tanto impacto como o esperado, tanto que a Fnatic nem percebeu o que aconteceu dentro do bomb A.
Em contrapartida ao boost, que não funcionou da forma esperada, o lado CT dos franceses foi praticamente impecável. As táticas e posicionamentos que eram incógnitas, funcionaram muito bem e renderam um 12-3 na primeira metade da partida.
Se o resultado de CT já era ótimo, ganhar o pistol de TR fez com que a LDLC ganhasse ainda mais confiança para fechar a partida. Um placar de 13-3, com o adversário em um round forçado, era tudo o que Happy e companhia gostariam naquela partida.
Só havia um problema: ninguém percebeu o que acontecia na base CT no round 17. Nem a LDLC, nem os narradores da partida, nem os espectadores repararam que a Fnatic utilizou um outro pezinho, parecido com o da LDLC, porém bem mais forte e que possibilitava o jogador ver cerca de 60% do mapa.
O boost, que não foi percebido no pistol e não gerou resultados, foi percebido por todos no round seguinte, pois Olofmeister tinha em suas mãos uma Scout, a famosa “mata pombo”, arma que permite matar o adversário com um tiro na cabeça e ainda possui scope (aquela mira de túnel que aproxima a visão, como da AWP).
Neste 17º round, com a partida em 13-3, Pronax, IGL da Fnatic, resolveu usar a estratégia que colocou os suecos de volta ao jogo. Olofmeister “previu” a entrada no bomb B e ainda conseguiu dois headshots, o que deixou a equipe francesa sem entender o que acontecia, além de levar a torcida sueca a loucura.
Acho que todos que assistiram aquele jogo ao vivo, sentiram a mesma sensação que vivi. Uma sensação de que a história passava em frente aos nossos olhos, uma experiência que, posso afirmar meu coração ter parado por um segundo.
Com o boost, os suecos passaram a ganhar round atrás de round. Olofmeister comprou uma “teco teco” e continuava a matar e confundir a cabeça dos franceses. Todos os ataques ao bomb B eram impedidos.
Aos que ainda não entenderam a força do boost, Olof tinha a visão de uma entrada do bomb B, parte da visão de outra entrada do B, além de conseguir ver a “rua” e uma parte dos banheiros do mapa da Overpass. Olof tinha “olhos de águia” e ainda fazia o pezinho de dentro do bomb A, o que também trazia segurança ao time, que não sofria ataques nesse ponto (pois 3 jogadores se dedicavam inteiramente ao local).
A Fnatic se recuperava, fazia pontos seguidos, não dava chances aos franceses e ainda usavam o boost na hora correta. Os comandados de Happy tentavam achar de onde eram destruídos, mas assim que olhavam para cima, não havia ninguém lá, pois a posição de Olof não era visível de nenhum lugar do mapa, a não ser da própria base CT.
Em resumo, Fnatic virou a partida, sem dar nenhuma chance aos franceses e fechou a partida em 16-13, se classificando para as semifinais do torneio. A torcida foi ao delírio, mas o chat da transmissão da Twitch e os fóruns da HLTV crucificavam os suecos e seu boost. Foram acusados de hack, de trapaça e sofreram até mesmo ameaças.
Fnatic já era um time odiado por muitos da comunidade, por conta do histórico de brigas com a NiP e também, por muitas acusações de jogadores usando hack em partidas oficiais, mas nada nunca foi provado. Após esse ocorrido, tudo isso se agravou.
Foi aí que o maior problema começou…
Depois da partida, os franceses apresentaram uma queixa aos administradores do evento, pois acusavam os jogadores da Fnatic de burlar as regras do evento. Mas será mesmo que os suecos trapacearam naquele boost?
Regras do Major DreamHack Winter 2014
No livro de regras do campeonato, dizia que era proibido o uso de “pixelwalk”. Isso significa, em uma explicação breve, que é contra as regras andar em pixeis invisíveis, o que a Fnatic realmente tinha feito. Então, isso já bastaria para a Fnatic ser desclassificada do torneio. Mas e a LDLC?
Este é o ponto.
O boost da LDLC também infringiu as regras do torneio e também deveriam ser desclassificados se a Fnatic fosse punida.
Mas então, os franceses também acharam outra brecha na regra para tentar incriminar os suecos e vencer a partida por desqualificação, ou fazer com que a partida fosse jogada novamente. O motivo dessa vez era a regra que falava sobre “texture abuse”, que em resumo proibia os jogadores de enxergar através de texturas que deveriam ser invisíveis. Novamente, o motivo utilizado para desqualificar a Fnatic também foi burlado pela LDLC, o que tornava a partida toda inválida ou culminava em ambos os times serem eliminados do torneio.
A administração conversou com os times, tentou resolver da melhor forma, algo que ambas as partes concordassem. Foi sugerido jogarem novamente a segunda metade, mas isso prejudicaria apenas a Fnatic. Também foi sugerido refazerem a partida toda, mas a LDLC se recusou a aceitar isso, pois afirmava que seu pezinho não tinha trazido impacto à partida como o do adversário.
O resultado? Fnatic desistiu da partida e consequentemente, do torneio.
A pressão da administração, dos adversários e da comunidade foi tão grande que a liderança da Fnatic preferiu dar W.O. na partida do que atrasar mais ainda a decisão dos administradores, pois a Valve queria adiar o veredicto para o dia seguinte, quando começariam as semifinais.
Por ironia do destino, a LDLC venceu a partida por W.O. e depois, venceu o torneio. Os dois melhores times do mundo da época entraram neste embate fora do servidor e acabaram por nunca encerrarem uma das maiores rivalidade da história do CS. Outra ironia é que a maior partida da história do jogo (em minha opinião) também não teve um final feliz, sendo decidida em decisão extra-jogo, mas isso não muda o fato e todo o imbróglio que aconteceu na época. Com certeza, esse evento mudou o jeito de jogar CS.
A Valve não esperou muito e logo “fechou” a área do boost no mapa, colocando o caminhão da base CT bem onde era o local onde se fazia o pezinho. Também foi colocada uma placa escrito “geländer übersteigen verboten”, uma expressão alemã para algo parecido com “proibido escalar”.
E essa é a história de uma das partidas do CS. Um jogo decidido pela administração, onde os times utilizaram-se de bugs no mapa para obter benefícios e tentar vencer o adversário. Uma pena, pois nunca saberemos quem venceria essa rivalidade se fosse disputada como uma partida comum, com estratégias, entradas e balas. Provavelmente, essa foi uma das 3 ou 5 maiores rivalidades da história do Counter-Strike.
Curioso para ver o jogo completo? Assista aqui.
Lucas Nutti, parabéns pela matéria. Não sabia do ocorrido que fiquei tenso com a narração do ocorrido mesmo se passando 4 anos.
Obrigado, Ricardo. Fico feliz por ter gostado. O ocorrido foi muito tenso na época, ainda mais pela decisão ter demorado muito.