Opinião: Como reconstruir a MIBR?

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Cairo Barbosa é historiador e professor de história. Apaixonado por Counter-Strike desde 2001, acompanha o cenário profissional de CS:GO e às vezes se aventura em análises de dados, times, partidas, torneios e jogadores.

Da ruína à reconstrução

A crise e o desmonte da line-up da MIBR não pegaram a torcida brasileira de surpresa. Pelos péssimos resultados obtidos desde o retorno em 2018, era de se esperar que uma hora a organização tomasse atitudes mais enérgicas no sentido de reorientar o projeto que conta com um investimento financeiro altíssimo.

Diversos fatores pesaram para que a situação chegasse a esse ponto. Em artigo recente aqui mesmo no The Clutch, Igor Dantas mostrou que a falta de uma estrutura profissional escancarou o amadorismo que reinava na organização e, por consequência, na mentalidade do próprio elenco de CS:GO. Problemas como ausência de manager e coach de ofício (não improvisados), dificuldade de lidar com as mudanças do meta do próprio game, incompostura para lidar com redes sociais e discursos públicos, dentre outras coisas, são fatores que, combinados, levaram os jogadores e a organização à rota de colisão.

O resultado disso foi a demissão de TACO, dead e fer. Posteriormente, FalleN, inconformado com a medida tomada pela organização, pediu para ser movido ao banco de reservas; trk e kNg, também incomodados com as demissões, mostraram seus descontentamentos e deixaram o futuro em aberto, mas não “pularam do barco” imediatamente.

Diante desse cenário caótico e nebuloso, a pergunta que precisa ser feita agora é a seguinte: é possível pensar na reconstrução da equipe com o que sobrou dos destroços? Se levarmos em consideração que a organização, à princípio, pretende continuar com trk e kNg, então qual seria o melhor caminho para remontar a line-up e finalmente colocar time no caminho do profissionalismo e do sucesso?

Nesse texto, minha ideia é apontar alguns reparos e mudanças de filosofia que considero necessários, além de sugerir alguns nomes que, a meu ver, podem fazer parte desse novo projeto.

Profissionalismo

Em primeiro lugar, a reconstrução do time precisa se ancorar em dois aspectos centrais: a montagem de uma line que seja equilibrada e o suporte profissional de um staff técnico – como é de praxe, aliás, nas melhores equipes do mundo atualmente. Nesse sentido, não basta ter cinco bons jogadores – discurso que seduz parte da torcida -, mas sim uma equipe que tenha em cada player um ponto de convergência para o estilo coletivo, além de profissionais que possam acompanhá-los na árdua rotina diária de treinos e jogos.

Na “era profissional”, é inconcebível que um time não conte com o suporte cotidiano de um treinador. Além de questões internas às partidas, com análises táticas e percepções sobre adversários, o coach é responsável também, dentre outras coisas, por organizar coletivamente a equipe, extrair o melhor de cada uma das peças da engrenagem e contribuir para a harmonia e a boa relação interpessoal entre todos.

Para que isso aconteça de forma plena, o próprio treinador não pode ser sobrecarregado. O apoio de um analista, figura responsável por reunir vídeos e estatísticas de games e adversários, pode ser um diferencial para manter o coach sempre alimentado de informações úteis que o possibilite montar estratégias e repassá-las ao capitão e aos demais jogadores.

O ideal, portanto, é que os dois trabalhem conjuntamente para afinar questões táticas, estratégias e ideias de jogo, picks e bans etc. Exemplos de sucesso dessa dobradinha podem ser vistos, por exemplo, na Vitallity (Rémy ‘XTQZZZ’ Quoniam e Mathieu ‘MaT’ Leber), na Team Liquid (Jason “moses” O’Toole e Juan ‘Hepa’ Borges) e na G2 (Damien “maLeK” Marcel e Jan “Swani” Müller).

Outra peça importante nessa engrenagem é o manager, responsável pela organização logística do trabalho e da vida cotidiana da equipe, como planejar e marcar viagens,  verificar agendas de torneios, estruturar o dia a dia de trabalho etc. O manager não pode ser apenas um “animador de torcida”, “agitador de vestiário” ou “falastrão de redes sociais”, como era (e parece que ainda é) comum no estilo amador de algumas organizações. Ele é o responsável direto por dar a tranquilidade necessária para que o time mantenha o foco no que mais importa: jogar.

Conseguem imaginar o sucesso do Flamengo no ano de 2019 e início de 2020 sem Jorge Jesus (treinador/coach), João de Deus (auxiliar/analista), Marcos Braz (diretor/manager) e outros profissionais da comissão técnica, cada um exercendo função primordial na engrenagem da equipe? Futebol e CS:GO, em alguns casos, não são tão diferentes quanto se imagina.

Após o título da BLAST Pro Series SP, realizada em 2018, o treinador da Astralis, Danny “zonic” Sørensen, revelou à imprensa que o sucesso do melhor time da história do CS:GO era fruto não apenas do bom desempenho do quinteto comandado por Lukas “gla1ve” Rossander, mas especialmente do suporte de uma equipe técnica que contava com diversos profissionais, como diretor, “relações públicas”, psicólogo, nutricionista, médico, fisioterapeuta e até massagista (!).

Não se trata de dizer que essa comissão técnica garante o sucesso profissional do time. É claro que nos esports também existe o imponderável, o imprevisível, a sorte, dentre outros fatores. Mas é possível dizer que, hoje, os times que permanecem no topo do cenário mundial são aqueles que pertencem às organizações que prezam pela montagem de uma estrutura profissional para suas equipes, diminuindo a margem de erros e os ruídos que ocorrem naturalmente nas práticas esportivas.

A MIBR, por diversos fatores, representa atualmente a antítese do CS:GO profissional. Em outra oportunidade, falaremos mais sobre isso, especialmente em relação à estrutura da organização. Por ora, vamos ao primeiro passo da reconstrução: as peças do staff e do time.

Coach e analista

Para a função de treinador, algumas opções seriam interessantes para a reconstrução do projeto. Dentre os brasileiros, o que tem tido mais sucesso recente, exceto o multicampeão Wilton ‘zews’ Prado, é Luis ‘peacemaker’ Tadeu. Hoje comandante da dinamarquesa MAD Lions, atual número 24 no ranking mundial da HLTV, o coach tem conseguido bons resultados recentes com a equipe, como por exemplo o título da primeira temporada da FLASHPOINT em cima da própria MIBR. É possível dizer que ‘peace’, com 33 anos, vive o auge de sua carreira e poderia ser um pilar importante na reconstrução do time.

Outro nome bastante aclamado pela torcida brasileira é Alessandro ‘Apoka’ Marcucci, de 34 anos, atual treinador da BOOM. Conhecido por um estilo mais motivador e vibrante, “Apokão”, como é carinhosamente chamado, tem liderado o time que conta com ‘boltz’ e ‘felps’. Nesse ano atípico de pandemia, o core permaneceu no Brasil e conquistou quase todos os títulos que disputou por aqui, firmando-se como a melhor equipe do cenário nacional.

Cabe mencionar também o nome de Rafael ‘zakk’ Fernandes, ex-treinador da Immortals e atual coach da 9z, finalista e vice campeão da DreamHack Open Montreal 2017, do PGL Major Kraków 2017 e da DreamHack Open Austin 2017. Um pouco mais novo que os outros dois, ‘zakk’ era corresponsável por um estilo mais solto e agressivo daquela histórica line que perdeu a final do mundial para a Gambit de Danylo “Zeus” Teslenko.

Para a função de analista, o nome que têm caído nas graças de parte da torcida brasileira nas redes sociais é o de Marcos ‘tacitus’ Castilho, brasileiro de 20 anos, atual treinador da Triumph, equipe que fez jogo duro com a MIBR na cs_summit 6 North America Regional Qualifier. Segundo palavras do próprio ‘tacitus’ em stream recente, ele prefere atuar como analista, auxiliando o coach com dados, estatísticas e materiais de jogo.

Com a comissão técnica montada, é hora de pensar nas peças da equipe.

Players e a nova equipe

Partiremos do princípio de que o centro de gravitação da reconstrução da line-up terá Vito “kNg” Giuseppe e Alencar “trk” Rossato como protagonistas.

Foto: Divulgação/MIBR (com adaptações)

O primeiro, de 27 anos, será capitão e, provavelmente awper principal da equipe. Experiente, passou por times como Immortals e INTZ, participou de diversos campeonatos de 1º nível mundial e foi finalista do PGL Major Kraków 2017. Nas últimas semanas, antes da desagregação completa da equipe, assumiu a função de In-Game Leader (IGL) e imprimiu um novo estilo de jogo ao time – mais agressivo e explosivo e menos passivo e monótono – completamente adaptado ao meta atual.

Já ‘trk’ é um player que, embora mais novo (25 anos), também conta com importante experiência, inclusive no âmbito internacional. Após passar anos na Team One, pela qual, já residindo nos EUA, disputou as ligas de nível 2º do cenário norte-americano, foi contratado pela MIBR para substituir ‘meyern’. Apesar da fase terrível de sua equipe, tem performado relativamente bem – no últimos seis meses, rating 2.0 de 1.01. Com 24 anos, trk pode agora desenvolver seu jogo com mais liberdade enquanto ótimo rifler, atuando como fragger ou trader.

Sobram três vagas. E é nesse momento que o projeto de remontagem do time deve priorizar o equilíbrio. Enquanto tendência, muitas das melhores equipes do mundo combinam três tipos de jogadores na composição de suas lines: “experientes”, “intermediários” e “novatos”. A título de exemplo, se ‘kNg’ é um jogador experiente, ‘trk’ é “intermediário”, ou seja, encontra-se em pleno desenvolvimento, principalmente porque chegou agora ao cenário nível 1 e pode crescer ainda mais enquanto player nos próximos anos.

Nesse sentido, na nossa visão, alguns nomes podem complementar a equipe de forma substancial. O primeiro deles é o discreto Raphael ‘exit’ Lacerda, hoje na Sharks. Com 24 anos de idade e ótima experiência no cenário internacional, quando atuou junto dos tubarões em Portugal e nos EUA, é um jogador que vem crescendo no cenário brasileiro nos últimos meses. Seu time terminou a fase de grupos do Clutch Season 3 em primeiro lugar na classificação geral, com 9 vitórias e apenas 2 derrotas. De quebra, ‘exit’ teve o melhor rating: 1.33. Com performances interessantes também em torneios de maior relevância, como a ESL Pro League Season 10 Americas e a ECS Season 8 North America, Raphael encontra-se na categoria dos “intermediários”: não é nem um novato, nem um jogador consagrado. Em trajetória crescente, pode agregar muito na função de “suporte”.

Foto: HLTV.org

Outra opção seria Rodrigo ‘biguzera’ Bittencourt, jogador de 23 anos que atua pela paiN Gaming, recém chegada aos EUA. MVP e campeão de diversos torneios no Brasil, acumula rating de 1.16 e incríveis 83.0 de ADR (dano médio por round).

Com esse terceiro jogador de nível “intermediário”, as duas últimas vagas podem ser ocupadas por jogadores “novatos”, os famosos “mirinhas chicletes”. Nesse caso, são players que trazem sangue novo e gás à equipe. Arejados, com reflexo em dia e muito sangue nos olhos, representam parte vital de qualquer time em qualquer esporte. Se pensarmos no próprio cenário mundial de CS:GO, diversos cores do top 10 no ranking HLTV contam com esse tipo de jogador em suas lines: a Vitallity tem ‘ZywOo’ (19 anos), a Evil Geniuses tem ‘Ethan’ e ‘CeRq’ (ambos com 20 anos), a NaVi tem ‘Perfecto’ (20 anos), a fnatic tem ‘Brollan’ (18 anos), a Complexity tem ‘oBo’ (17 anos), a Liquid tem ‘Grim’ (19 anos) e a mousesports tem David ‘frozen’ Čerňanský (18 anos) e Aurimas ‘bymas’ Pipiras (17 anos).

No cenário nacional e nos times brasileiros que jogam fora do país, não faltam prodígios querendo mostrar serviço para ocupar as vagas de quarto e quinto players da MIBR. Um deles, que figura no topo da lista, é Eduardo ‘dumau’ Wolkmer, de 16 anos, atual jogador da Yeah Gaming nos EUA. Com rating de 1.14 nos últimos 6 meses, o jogador tem se destacado muito no cenário NA em campeonatos de nível 2 e 3.

Foto: HLTV.org

A contratação seria bastante facilitada porque a Immortals Gaming Club (IGC), proprietária da MIBR, tem um pré-acordo assinado que a permite comprar, por um valor pré-fixado, até dois jogadores da Yeah. Se a negociação poderia ser facilitada por essa clausula, é possível dizer que, pela qualidade de mira e pelos reflexos rápidos, ‘dumau’ seria uma ótima adição à line, exercendo a função de entry fragger e, por vezes, revezando com ‘trk’ como trader.

Para a mesma função, mas talvez um pouco mais caro, outro nome seria Marcelo ‘chelo’ Cespedes, atualmente na BOOM. Nos últimos seis meses, o entry fragger tem acumulado números vistosos: rating de 1.19, 75% de KAST (participação efetiva global, com kill, assistência ou trade) e 1.22 de IMPACT (multikills, opening kills e clutches).

E para a vaga de quinto player, o nome poderia ser Bruno ‘latto’ Rebelatto, de 17 anos. O jogador da Red Canids vem performando de forma impactante no Brasil desde o ano passado. Com rating de 1.14 acumulado ao longo da curta carreira, tem chamado a atenção de todo o cenário nacional pelo talento e pela constância, apesar da pouca idade.

Foto: HLTV.org

Dentro do jogo, ‘latto’ pode exercer bem a função de ‘lurker’ no lado TR, ou seja, aquele jogador responsável por cortar rotações, atuar nos flancos pegando informações e finalizar as jogadas de “clutch”, à moda ‘fnx’. De CT, pode ser o “âncora”, atuando solo nos bombsites mais fáceis de serem dominados por apenas um jogador, função que por vezes exerce na sua equipe atualmente.

Outra opção para a quinta vaga seria Fillipe ‘pancc’ Martins, da W7M, que acumula rating de 1.23 nos últimos seis meses. O jogador de 22 anos foi campeão e MVP do CLUTCH Season 2 e vem mantendo a consistência e o alto nível das atuações no cenário brasileiro há mais de um ano.

Por fim, um último nome que poderia agregar é o de Bruno ‘b4rtiN’ Câmara. O jogador de 18 anos, atualmente atuando nos EUA pela Team One, vem em constante crescimento nos últimos meses, acumulando rating de 1.15 e quase 73% de KAST (participação efetiva global, com kill, assistência ou trade).

Imaginem, portanto, um time com ‘kNg’, ‘trk’, ‘exit’, ‘dumau’ e ‘latto’, por exemplo, ou com os demais players mencionados (‘pancc’, ‘b4rtiN’, ‘biguzera’, ‘chelo’). Essa lineup mesclaria experiência, juventude e apetite, figuras que têm o que ensinar e jogadores que têm potencial para crescer. Certamente seria uma equipe bastante equilibrada do ponto de vista tático, com papéis e funções bem definidas in-game. E, acima de tudo, um core com muito espaço para amadurecer e explodir no cenário internacional.

Valores e negociações

Se você chegou até esse ponto do texto, certamente está se perguntando: “e os valores envolvidos nas transações desses jogadores?” É provável que muito deles tenham cláusulas com cifras consideráveis protegendo as organizações às quais pertencem. Nos últimos anos, a guerra dos “buyouts” dos players tem crescido de forma exorbitante.

Contudo, é preciso investir para reconstruir. É o que tem feito, por exemplo, a Cloud9, que colocou toda a line atual à venda e está remontando seu time de CS:GO, como também havia feito a Complexity de Jason Lake. Ambos aportaram milhões de dólares na contratação de players com o objetivo de recolocar o time na rota do sucesso.

No caso da MIBR, os custos das transações podem ser arcados, ao menos em parte, com o dinheiro arrecadado nas possíveis vendas de fer, TACO e FalleN, players que ainda têm mercado, e com a própria economia dos salários exorbitantes pagos a esses jogadores.

Fato é que se a organização quer disputar o topo do cenário mundial de CS:GO, então é preciso “tirar o escorpião do bolso”, como se costuma dizer no ditado popular. Isso significa montar um time não com “o que tem disponível” (como foi feito no caso Lucas “LUCAS1” Teles), mas com o que tem de melhor no mercado para cada função.

Com a reestruturação pronta, então é fundamental dar tempo e rodagem para que o time e o staff, em trabalho coletivo, construam um projeto verdadeiramente vencedor. O sucesso dos times melhores ranqueados na HLTV certamente está ligado a isso: BIG e NaVi têm a mesma lineup desde janeiro deste ano; a Vitallity, desde março; e a EG, desde abril.

Não precisamos ir tão longe para entender o que é a “era profissional”. A torcida brasileira pode torcer o nariz, mas é preciso dizer que o exemplo da FURIA nos mostra como uma line-up jovem, um treinador arejado, um staff técnico preparado “por trás” e uma estrutura realmente alinhada ao novo modelo dos esports, com gaming office e uma rotina profissional de fato (atividades físicas, horários regrados, suporte psicológico) pode levar a uma trajetória de sucesso, com conquistas e vitórias. O título recente da DreamHack Open Summer 2020: North America, após campanha fenomenal, e a atual oitava posição no ranking da HLTV, são o resultado desse projeto.

Os fãs, tomados pelo sentimento de orfandade, podem chorar a saída dos lendários FalleN, fer e TACO – muitos sonham até com um ilusório “Last Dance”. Os suecos tiveram essa sensação de perda quando Patrik “f0rest” Lindberg e Christopher “GeT_RiGhT” Alesund deixaram a Ninjas in Pyjamas. Inegavelmente, contudo, houve melhora no rendimento do time, e hoje a equipe da NiP, em fase de crescimento, já ocupa o 10º lugar no ranking da HLTV.

Apesar de doloroso, o caminho precisa ser repavimentado. Que a MIBR possa, então, aprender com os erros e com os bons exemplos espalhados pelo mundo. E que consiga ressurgir das cinzas, como uma fênix. É o desejo da torcida brasileira.

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