Opinião: Viemos para ampliar o cenário, não roubar o seu espaço

A Riot Games recheou a estreia de sua décima edição do Campeonato Brasileiro de League of Legends de boas surpresas, algumas delas há muito tempo pedidas pela comunidade: a diversidade no casting. Tivemos o prazer de ter mulheres nas áreas de narração e comentários, junto com a primeira mulher negra de sua história.

Ravena Dutra, comentarista já muito conhecida pelos fãs da Gamers Club, agraciou a transmissão com seu conhecimento ao lado de nomes como Vecet e Colosimus, que já passaram pelo torneio com suas narrações. Ela também já atuou na TV aberta dentro do campeonato da Loading, trazendo análises precisas para um público mais acessível.

Maria Fogueta começou na narração há pouco tempo, mas seu talento foi rapidamente notado pela equipe do torneio. Em uma estreia forte, marcada por carisma e ganchos inteligentes, ela divertiu o público e conseguiu cativar novos olhares como a primeira narradora do CBLOL, sendo como uma brisa de ar fresco em um ambiente fechado.

Lahgolas, comentarista da iniciativa Wakanda Streamers, chegou fazendo história: como se tivesse nascido para comentar um campeonato de tão altíssimo nível, a primeira mulher preta da história do Campeonato mostrou análises precisas e serenas, ganhando aplausos por não hesitar um momento sequer em suas falas.

Outros marcos também foram feitos nesta noite de terça-feira (19), com as jogadoras Yatsu (INTZ) e Lawi (Cruzeiro) se enfrentando de maneira emocionante pelo Academy das duas organizações, mostrando todo o potencial feminino que o cenário ainda se recusa a contemplar, marcando Summoners Rift com a estreia das primeiras mulheres titulares.

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A emoção não é só pela qualidade da partida, não se engane: em dez anos de CBLOL, é agridoce o gosto de ver o sexo feminino conquistando espaço e vencendo, mas ao custo de uma cena vazia e que rejeita qualquer tentativa de inclusão, usando o famoso e chulo argumento de “lacração”.

A pergunta que não quer calar

O cerne do problema da rejeição é que a inclusão destas mulheres e de pessoas negras enriquece o futuro do League of Legends brasileiro, onde outras minorias podem ver que, aos poucos, não estão mais sendo excluídas: o público cresce, o jogo tem mais incentivo para continuar e a evolução acontece.

Uma tecla muito batida nas redes sociais é a disparidade do tratamento que as novas casters receberam em comparação com o narrador Colosimus. Apesar de todos terem errado em algumas partes, o massacre nos comentários não foi sequer parecido nos dois casos.

Até mesmo em uma das maiores transmissões do país, depois de ter chego na posição que agora ocupam, as mulheres precisam se provar duas vezes mais do que um homem, sendo obrigadas a ignorarem suas emoções e perderem o gosto de sua primeira vez realizando um sonho.

Era visível o trabalho da moderação de chats, que dobrava quando Fogueta, Lahgolas ou Ravena entravam ao ar em transmissão. Os bots e os moderadores não davam conta de filtrar tantos comentários, às vezes apagando até alguns que tinham o objetivo de apoiar as profissionais.

Agora, pensemos juntos no seguinte questionamento: se a diversidade, juntamente da competência profissional, só acrescenta na audiência e em bons efeitos a longo prazo… por que a rejeitamos? Por qual motivo o cenário gamer ainda é tão contrário a inclusão, que parece representar uma grande ameaça?

Nenhuma mulher foi convocada para “roubar um espaço”. Os novos profissionais estão ali para somar, evoluir, mostrar um trabalho diferente do que estamos acostumados e dar a cara a todas as mudanças que o CBLOL quis nos trazer para 2021. Será muito mais fácil sentarmos, relaxarmos e curtirmos mais um triple kill da Yatsu do que ficarmos reclamando do nick das casters no chat.

“Dar bola pra rage não te ajuda, sabe?”

A Riot anda empregando cada vez mais mulheres em funções diferentes, que agora podem falar pela empresa e ajudá-la a se tornar um ambiente melhor, mas ainda parece… pouco. Deveríamos estar celebrando TANTO que uma das empresas mais poderosas do mundo colocou uma leve presença feminina na “divisão de aprendizado”, quando tem poder o suficiente para chacoalhar toda a sua estrutura caso desejasse?

Vimos as pessoas comemorarem pela estreia de somente três casters na nova equipe e duas competidoras titulares que, depois de dez anos, foram as primeiras. Isso só mostra o quanto a comunidade se conformou com pequenas migalhas, então o questionamento de suficiência na inclusão continua. Mesmo com pretensão anunciada, ainda não há também intérpretes de libras para o público surdo, nem mesmo legendas.

Eu pensei, porém, que esse artigo não poderia estar completo sem o depoimento de quem fez tudo isso possível. Não dá para ignorar que mudanças estão sendo vistas e as falas de Fogueta e Lahgolas mostram isso.

“Bom, fazer a minha estréia no CBLOL Academy foi um baita sonho sendo realizado! No começo de janeiro em uma conversa com meus pais, eles perguntaram sobre os próximos passos e eu disse que a intenção era chegar na Riot senão no fim deste ano, no próximo. Então o convite pra participar desse Split já foi uma grande e feliz surpresa. A gente fica, claro, com aquela insegurança, aqueles questionamentos de “Será que eu sou boa? Será que eu realmente mereço estar aqui?” e ontem eu pude sentir que sim, eu mereço, eu sou boa no que faço e tenho capacidade pra honrar cada vez mais a oportunidade que eu mereci receber”, disse Maria Fogueta, em um texto que exala toda sua felicidade pelo momento.

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“Como estou no meio dos esports há algum tempo, o ódio de certa parte do público já não me foi surpresa nenhuma. Ser uma mulher buscando seu espaço dentro desse cenário nunca foi fácil, claro que eu sou uma mulher dentro dos padrões aceitáveis então tenho os meus privilégios, porém eu nunca fui alguém de abaixar a cabeça pra esses haters. Eu nunca fui alguém que cedia espaço pra essas pessoas sem educação criticarem. Nas minhas lives a tolerância é 0 e na minha vida também. Eu sou muito calejada e por isso não me afeta mais, sabe? Eu simplesmente vejo (dou risada muitas vezes de como as pessoas tem tempo livre pra “hatear” alguém), mas deixo lá. Se você não alimenta o ego, a pessoa simplesmente some. Uma vez eu ouvi em um filme a seguinte frase, “o silêncio e o esquecimento é o maior dos castigos” e gente que não gosta de mim, tenta diminuir os méritos e o meu trabalho eu trato assim: cai no esquecimento. Porque na memória eu carrego todo o meu esforço, a sorte de ter uma família que me apoia, que manda fotos minhas na TV, que comemora cada vitória minha. E quando digo família também me refiro a comunidade de Foguefilhes que me apoiam, às minhas amigas que são minhas redes de apoio. Isso sim a gente dedica tempo e atenção. Pra isso a gente gasta energia”, completa a narradora.

Não seria justo terminar este texto sem dar nome a um dos maiores símbolos do casting de 2021: Layze Brandão, a Lahgolas. Nordestina, maranhense, vinda de uma terra onde o sotaque é normalmente motivo de desprezo nos bastidores do broadcasting de esports. Ela veio pronta, como uma gigante, sendo o único ponto de diferença entre um elenco todo branco.

“A minha estreia foi a materialização de um sonho de criança, que era trabalhar com games. Desde antes da transmissão recebi muitas mensagens de apoio só pelo fato de eu estar lá. A equipe inteira trabalhou conosco pra dar essa acalmada que o peso de uma estreia assim tem. Claro que o nervosismo bateu em alguns momentos, mas era uma explosão de felicidade estar ali, sorrindo pra milhares de pessoas e fazendo o que faço de melhor hoje. Soube de pessoas se reunindo em discord pra assistir a transmissão juntos, famílias vendo os jogos pela tv e tudo isso pela conquista de algo que lutamos há tempos. O carinho de todo mundo desde sempre é uma das minhas fontes de força pra ser a cara de várias minorias. E pretendo continuar forte e abrir caminho pra muitas mais”, adiciona a comentarista, pontuando novamente a máxima do artigo.

Essa iniciativa foi para abrir caminhos, pontes. Dar esperança de novidades. Quando você vê um programa de TV que sempre te apresenta coisas novas com qualidade, você nunca vai parar de assistir e vai recomendá-lo aos seus amigos, que trarão outros, em uma onda de popularidade que o League of Legends brasileiro anda precisando. No momento, a abertura de portas para a diversidade é o caminho a se percorrer e a resistência precisa acabar.

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