“Muitas mulheres não conseguiram ter espaço em outros jogos”, diz Letícia Motta sobre a presença feminina em VALORANT
Com experiências em vários jogos, com destaque para o League of Legends, Letícia Motta surge no VALORANT como uma primeiras analistas do cenário. Assim, falamos com ela um pouco sobre a sua participação na transmissão da LEC (liga europeia de LoL), a inserção das mulheres nos esports e o cenário de VALORANT, sua atual especialidade.
Como surgiu a oportunidade de participar da transmissão em português da LEC? E como você avalia a experiência até então?
Fui convidada pelo João Cício, atualmente CEO da Inygon. A Inygon é uma empresa portuguesa que faz transmissão de LoL em Portugal, especialmente a liga portuguesa, a LPLOL. Ele já conhecia o meu trabalho, ele viu o meu trabalho na Superliga no final do ano passado. Ele chegou até mim no Twitter perguntando se queria comentar a LEC e de prontidão fiquei meio assustada porque não é todo o dia que você recebe uma DM perguntando se quer comentar a LEC.
Ele depois veio até aqui ao Brasil, a gente se encontrou pessoalmente e me explicou melhor como era essa proposta. Ela veio e eu aceitei. Na época, a proposta era que eu fosse para Portugal, mas depois veio o Covid e a pandemia e eu fiquei no Brasil, fazendo de casa no caso.
A experiência até agora foi incrível, gostei muito de participar. Fiz cast com casters portugueses, ganhei muita experiência e para mim, foi não só uma grande alegria por ser fã da LEC, uma das ligas que eu mais me dediquei a estudar, mas também por ser uma oportunidade de me profissionalizar ainda mais.
Com o VALORANT aparecendo você é tida como uma das pessoas que mais entende do jogo. Você interpreta a vinda do FPS como uma oportunidade não só para os jogadores, mas para os narradores e analistas também?
Eu interpreto sim. Com a vinda do VALORANT, com uma liga oficial, não sei se vai ser esse o caso, mas acredito que vai abrir oportunidade para muita gente se profissionalizar. Muitas pessoas que não estão necessariamente empregadas, ou que de alguma forma buscam uma oportunidade, acho que vai ser o momento para essas pessoas buscarem essas oportunidades. Assim como foi para mim, de certa forma.
Como você imagina o crescimento do jogo a médio/longo prazo?
O jogo só vai crescer e se desenvolver e acho que vai ter um futuro sólido, com muitos agentes novos, mapas novos, muita coisa melhorando em termos de espectador, que ainda é uma coisa muito limitada, muito nova.
Não tem ferramentas como no CS, onde você pode mexer na câmera de uma forma mais interessante, mas acho que com o jogo crescendo, essas coisas podem acabar surgindo. Acho que o jogo tem potencial para ser um dos maiores do Brasil, que é um país muito atrelado ao FPS (First Person Shooter).
Você já disse mais de uma vez que também se sente confortável no CS:GO. O objetivo é participar do máximo de jogos possíveis ou focar em apenas um?
Eu acabei fazendo CS:GO esse ano, mas nunca tinha feito, apesar de ser um dos jogos que jogava lá atrás na minha adolescência. Jogava muito o CS 1.6, sempre gostei muito do CS em si. Nessa época de pré-adolescência eu nem acompanhava o cenário competitivo e nem sabia o que era.
Eu gostava muito do jogo, mas eu me desvinculei do FPS e comecei a jogar muito mais MOBA e MMO e depois fui para o LoL. Eu passei muito tempo da minha vida jogando MMO e RPG então acabei me desgrudando de FPS e voltei a jogar em meados de 2015 com o Overwatch, mas não fiquei tanto tempo jogando.
A possibilidade do CS surgiu esse ano porque eu precisava de umas outras alternativas. Fazer LoL no Brasil não é tão simples assim quanto parece porque quando você não tem contrato com a Riot, você depende de campeonatos menores e eles não aparecem com tanta facilidade. Comecei a me arriscar em outros jogos para ter mais oportunidades.
A Liga Feminina da GC apareceu como uma oportunidade, mas eu nunca tive, de fato, intenção de entrar no CS, por ser um jogo muito complicado de se entrar no Brasil. A maioria dos casters que hoje estão no cenário já estavam antes. Por exemplo, a Babi conseguiu uma oportunidade muito boa, mas demorou bastante, ela teve de correr atrás de muita coisa, e ela é narradora, acho que é um pouco mais fácil.
Eu meio que caí de paraquedas nos comentários de CS. Nem tive tanto tempo assim para me aprofundar no jogo porque eu estava muito LoL, que é um jogo que você precisa estudar bastante, ele é muito mais complexo que o CS. Por mais que o CS seja mais simples, ele requer um estudo, mas com tantas coisas que surgiram nesse meio tempo eu optei por me afastar um pouco do jogo.
Fiz recentemente a GC Masters Feminina, no entanto, hoje em dia, eu diria que estou muito mais focada no VALORANT do que no CS.
Eu gostaria muito de participar em apenas um jogo, acho que o sonho da minha vida é ficar fixa num jogo só. Hoje em dia diria que esse jogo é o VALORANT. Construí uma carreira muito boa no LoL mas, digamos assim, já tive alguns problemas nesse meio tempo. Um peso que eu senti da comunidade, dificuldade em me aceitar. Sinto que o LoL é um jogo que se você não estava lá no início, é muito difícil chegar com uma cara nova no cenário e se provar.
Ainda mais sendo mulher, eu acho que tem muito preconceito, tem muita gente que não te aceita. Eu vejo no VALORANT, um jogo novo, uma oportunidade de me provar desde o início. Mostrar que construí uma base muito boa no LoL, adquiri muita experiência e que agora posso fazer isso num jogo novo, estando participando desde o início. Essa é a minha ideia e o porquê de estar mais animada quanto ao VALORANT.
Você também já mostrou agrado pela forma como a Riot trabalha. Acha que o modelo adotado no LoL pode ser transportado para VALORANT?
Eu acho que não porque se a Riot fizer isso com o VALORANT no Brasil, eles vão limitar muito os nossos jogadores. Acho que eles têm potencial para jogar com as equipes de fora. A própria forma como funcionam os FPS no Brasil, o Rainbow Six e até o CS:GO, mesmo que a Valve funcione de uma maneira bem diferente comparada à Ubisoft, acho que não vale a pena.
A gente tem jogadores de Rainbow Six muito bons para competir lá fora, o mesmo com o CS. Se a Riot fizer isso com o VALORANT acho que não vai valer a pena, porque temos de pensar num cenário diferente, que valorize uma cultura interna, onde você desenvolva o apresso da comunidade pelos times e uma base de torcedores que apoiem os times e consumam a transmissão, como foi feito no CBLoL, por exemplo.
Não existe nada no CS que é assim, no máximo você tem MIBR que puxa muito fã porque eles são muito grandes. No entanto, não existe a vontade do torcedor brasileiro sentar num sábado à tarde e ver um jogo de time brasileiro que não é grande, que não sejam os jogadores da MIBR. Você tem uma base de torcedores do Brasil no LoL que sentam sábado e domingo para assistir Santos, Flamengo, etc.
Aí a gente está falando de uma base grande de torcedores que eu diria que é uma virtude do LoL que algumas equipes como Santos e Flamengo entraram. Mas, você tem INTZ, paiN e até outras menores como PRG que tem muito torcedor hoje em dia. Acho isso como grande diferencial.
A dicotomia Europa/EUA no VALORANT tem sido um dos temas que mais tem entusiasmado os fãs de VALORANT. Como você avalia o cenário brasileiro em comparação com o EU e o NA?
Acho muito difícil comparar o cenário brasileiro de VALORANT com Europa e América do Norte porque eles tiveram muito mais desenvolvimento, de uma forma muito mais acelerada, com vários Ignitions Series em sequência. A gente está tendo o nosso segundo Ignition agora. Infelizmente, nessa hora pesa um pouco a questão econômica. A Europa teve muito investimento e assim tiveram seis Ignition Series.
Acho muito difícil comparar, mas trocar bala com eles a gente troca. Eles estão avançados na parte estratégica. Estava falando isso mesmo com o coach da Fusion Fraggers esses dias, e ele falou que, por exemplo, lá os mapas são mais estrategicamente pensados. Você tem certas áreas de pressão, técnicas e táticas montadas e execuções mais avançadas.
Aqui no Brasil eu vejo algumas equipes com muito potencial, como a Detona. Mas, quando eu pego um jogo da Detona com a Fusion Fraggers, consigo enxergar uma distância. Uma distância não de bala nem mira, mas sim estratégica.
Uma das questões que estou vendo entre o tier 1 e tier 2 é que a gente tem muito jogador dando bala, mas esses jogadores não se vão sair bem no 5vs5 dando bala na Europa se eles não tiverem um planejamento pensado para jogar contra eles.
Os Europeus estão treinando e jogando de uma maneira muito inteligente. Eu acho que a gente tem capacidade para chegar nesse ponto sim, mas a precisamos de profissionais qualificados, analistas, coaches, pessoas que vão atrás e estudar.
Até recomendaria muito o Gatti, coach da Fusion Fraggers. Tive a oportunidade de trocar uma ideia com ele e me pareceu uma pessoa muito interessada e que está pensando muito no cenário a longo prazo. Queria muito citar ele como uma pessoa que está pensando bastante à frente do nosso tempo.
Além de você, várias pessoas têm aparecido como especialistas do jogo. Que nomes mais desconhecidos você apontaria como conhecedoras de VALORANT?
É difícil, mas aqui no Brasil você tem algumas pessoas que estão estudando bastante, mas acho que em termos diferentes. Por exemplo, eu faço uma análise mais voltada para o jogo. Tem também o Tixinha que ajuda muito na parte da comunidade.
Acho que entendedor do jogo posso citar o Nyang, que é um jogador que discute bem o jogo, e tem vários outros que eu poderia citar. Analistas em si, eu diria o Gatti, da Fusion Fraggers, mas de resto não conheci muitas pessoas desconhecidas que estão fazendo esse trabalho de produzir algo mais para o público.
Atualmente, no cenário você tem basicamente casters fazendo transmissão e alguns conteúdos fora. Tem jogadores que participam direto de transmissões e trocam ideia muito bem. Consigo citar a Nat, que é jogadora. Ela participou de algumas transmissões recentemente, fez agora o qualifier da GC Ultimate. Ela gosta muito do jogo e joga em alto nível. A intenção dela é mais ser jogadora, mas ela tem uma leitura muito boa do jogo.
A Evellyn também está aparecendo agora com uma leitura boa de jogo. Acho que o foco dela é mais ser apresentadora, mas ela está entendendo o jogo num nível bom. Tem várias mulheres surgindo nesse momento inicial do jogo que estão querendo entender o jogo e isso é muito bom. Isso mostra que, umas das coisas que eu mais percebo, é que muitas mulheres que não conseguiram ter espaço em outros jogos estão querendo ocupar esse lugar novo e eu sou uma delas.